sábado, 16 de maio de 2009

O filme Divã pela ótica da autora do livro homônimo


MARTHA MEDEIROS, 12 de abril de 2009, Jornal Zero Hora


Tenho viajado bastante para acompanhar algumas pré-estreias do filme Divã, baseado no meu livro homônimo.
Delícia de tarefa, ainda mais quando a gente gosta de verdade do trabalho realizado, e esse filme realmente ficou enxuto, delicado e emocionante. Além disso, ainda consegue me provocar.
A personagem Mercedes (vivida pela incrível Lilia Cabral) está fazendo análise e leva pro consultório muitos questionamentos sobre sua vida. Até que, passado um tempo, finalmente relaxa e se dá conta de que não há outra saída a não ser conviver com suas irrealizações.
Diante disso, o analista sugere alta, no que ela rebate:
Alta? Logo agora que estou me divertindo?

Eu tinha esquecido dessa parte do livro, e quando vi no filme, me pareceu tão cristalino: um dos sintomas do amadurecimento é justamente o resgate da nossa jovialidade, só que não a jovialidade do corpo, que isso só se consegue até certo ponto, mas a jovialidade do espírito, tão mais prioritária.
Você é adulto mesmo?
Então pare de reclamar, pare de buscar o impossível, pare de exigir perfeição de si mesmo, pare de querer encontrar lógica pra tudo, pare de contabilizar prós e contras, pare de julgar os outros, pare de tentar manter sua vida sob rígido controle.
Simplesmente, divirta-se.

Não que seja fácil.
Enquanto que um corpo sarado se obtém com exercício, musculação, dieta e discernimento quanto aos hábitos cotidianos, a leveza de espírito requer justamente o contrário: a liberação das correntes.
A aventura do não-domínio.
Permitir-se o erro.
Não se sacrificar em demasia, já que estamos todos caminhando rumo a um mesmo destino, que não é nada espetacular.
É preciso perceber a hora de tirar o pé do acelerador, afinal, quem quer cruzar a linha de chegada? Mil vezes curtir a travessia.

Dia desses recebi o e-mail de uma mulher revoltada, baixo-astral, carente de frescor, e fiquei imaginando como deve ser difícil viver sem abstração e sem ver graça na vida, enclausurada na dor.
Ela não estava me xingando pessoalmente, e sim manifestando sua contrariedade em relação ao universo, apenas isso: odiava o mundo. Não a conheço, pode sofrer de depressão, ter um problema sério, sei lá. Mas há pessoas que apresentam quadro depressivo e ainda assim não perdem o humor nem que queiram: tiveram a sorte de nascer com esse refinado instinto de sobrevivência.

Dores, cada um tem as suas.
Mas o que nos faz cultivá-las por décadas?
Creio que nos apegamos com desespero a elas por não ter o que colocar no lugar, caso a dor se vá.
E então se fica ruminando, alimentando a própria “má sorte”, num processo de vitimização que chega ao nível do absurdo.
Por que fazemos isso conosco?

Amadurecer talvez seja descobrir que sofrer algumas perdas é inevitável, mas que não precisamos nos agarrar à dor para justificar nossa existência.

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