sábado, 4 de abril de 2009

Pensando na morte...


A missão tradicional do médico é aliviar o sofrimento humano; se puder curar, cura; se não puder curar, alivia; se não puder aliviar, consola. Ao pensar na morte, seja a simples idéia da própria morte ou a expectativa mais do que certa de morrer um dia, seja a idéia estimulada pela morte de um ente querido ou mesmo de alguém desconhecido, o ser humano maduro normalmente é tomado por sentimentos e reflexões.

As pessoas que se regozijam em dizer que não pensam na morte, normalmente têm uma relação mais sofrível ainda com esse assunto, tão sofrível que nem se permitem pensar a respeito. Esses pensamentos, ou melhor, os sentimentos determinados por esses pensamentos variam muito entre as diferentes pessoas, também variam muito entre diferentes momentos de uma mesma pessoa. Podem ser sentimentos confusos e dolorosos, serenos e plácidos, raivosos e rancorosos, racionais e lógicos, e assim por diante. Enfim, são sentimentos das mais variadas tonalidades.

Isso tudo pode significar que a morte, em si, pode representar algo totalmente diferente entre as diferentes pessoas, e totalmente diferente em diferentes épocas da vida de uma mesma pessoa.

O Eu diante da Morte

De um modo geral, descontando as defesas das reflexões zen, das meditações transcendentais e de toda sorte de subterfúgios do medo e do temor do nada, a idéia da morte nos remete aos sentimentos de perda, portanto, em tese, nos desperta sentimentos dolorosos. Trata-se de uma espécie de dor psíquica, a qual muitas vezes acaba também gerando dores físicas, ou criando uma dinâmica incompreensível para quem a vida continua sorrindo.

Poderíamos dizer que na Depressão, o tema morte está mais presente, seja o medo dela, seja a vontade de que ela aconteça casualmente ou, mais grave, sob a forma de ideação suicida. De qualquer forma, pensa-se na morte e, como não poderia deixar de ser, acompanha sentimentos dolorosos. Essa é uma dor psíquica, naturalmente movida por sentimentos de tristeza, de finitude, de medo, de abandono, de fragilidade e insegurança.

Na espécie humana a dor psíquica diante da morte pode ser considerada fisiológica, mas sua duração, intensidade e resolução vão depender, muito provavelmente, de como a pessoa experimentou a vida. Diz um ditado: “teme mais a morte quem mais temeu a vida”.

Durante a fase de enfrentamento da morte, o paciente é estimulado a profundas reflexões sobre a própria vida; se lhe foi satisfatória sua trajetória de vida, se houve algum desenvolvimento emocional, se pode criar vínculos afetivos fortes e permanentes, se ele pode auxiliar a outros seres humanos. Orientado psicologicamente (cognitivamente) poderá ser possível que, apesar de doloroso, esse momento possa ter um importante e saudável balanço emocional.

Os 5 Estágios da Perspectiva de Morte

A reação psíquica determinada pela experiência com a morte, ou mesmo diante de um diagnóstico médico associado com a perspectiva de vir a morres foi descrita por Elisabeth Kubler-Ross como tendo cinco estágios (Berkowitz, 2001):

Primeiro Estágio: negação e isolamento

A Negação e o Isolamento são mecanismos de defesas temporários do Ego contra a dor psíquica diante da morte. A intensidade e duração desses mecanismos de defesa dependem de como a própria pessoa que sofre e as outras pessoas ao seu redor são capazes de lidar com essa dor. Em geral, a Negação e o Isolamento não persistem por muito tempo.

Segundo Estágio: raiva

Por causa da raiva, que surge devido à impossibilidade do Ego manter a Negação e o Isolamento, os relacionamentos se tornam problemáticos e todo o ambiente é hostilizado pela revolta de quem sabe que vai morrer. Junto com a raiva, também surgem sentimentos de revolta, inveja e ressentimento.

Nessa fase, a dor psíquica do enfrentamento da morte se manifesta por atitudes agressivas e de revolta; - porque comigo? A revolta pode assumir proporções quase paranóides; “com tanta gente ruim pra morrer porque eu, eu que sempre fiz o bem, sempre trabalhei e fui honesto”...

Transformar a dor psíquica em agressão é, mais ou menos, o que acontece em crianças com depressão. É importante, nesse estágio, haver compreensão dos demais sobre a angústia transformada em raiva na pessoa que sente interrompidas suas atividades de vida pela doença ou pela morte.

Terceiro Estágio: barganha

Havendo deixado de lado a Negação e o Isolamento, “percebendo” que a raiva também não resolveu, a pessoa entra no terceiro estágio; a barganha. A maioria dessas barganhas é feita com Deus e, normalmente, mantidas em segredo.

Como dificilmente a pessoa tem alguma coisa a oferecer a Deus, além de sua vida, e como Este parece estar tomando-a, quer a pessoa queira ou não, as barganhas assumem mais as características de súplicas.

A pessoa implora que Deus aceite sua “oferta” em troca da vida, como por exemplo, sua promessa de uma vida dedicada à igreja, aos pobres, à caridade ... Na realidade, a barganha é uma tentativa de adiamento. Nessa fase o paciente se mantém sereno, reflexivo e dócil (não se pode barganhar com Deus, ao mesmo tempo em que se hostiliza pessoas).

Quarto Estágio: depressão

A Depressão aparece quando o paciente toma consciência de sua debilidade física, quando já não consegue negar suas condições de doente, quando as perspectivas da morte são claramente sentidas. Evidentemente, trata-se de uma atitude evolutiva; negar não adiantou, agredir e se revoltar também não, fazer barganhas não resolveu. Surge então um sentimento de grande perda. É o sofrimento e a dor psíquica de quem percebe a realidade nua e crua, como ela é realmente, é a consciência plena de que nascemos e morremos sozinhos. Aqui a depressão assume um quadro clínico mais típico e característico; desânimo, desinteresse, apatia, tristeza, choro, etc.

Quinto Estágio: aceitação

Nesse estágio o paciente já não experimenta o desespero e nem nega sua realidade. Esse é um momento de repouso e serenidade antes da longa viagem.

É claro que interessa, à psiquiatria e à medicina melhorar a qualidade da morte (como sempre tentou fazer em relação à qualidade da vida), que o paciente alcance esse estágio de aceitação em paz, com dignidade e bem estar emocional. Assim ocorrendo, o processo até a morte pôde ser experimentado em clima de serenidade por parte do paciente e, pelo lado dos que ficam, de conforto, compreensão e colaboração para com o paciente.

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